desocupada em tempo integral

por que é tão doloroso que só vivemos uma vez: fazendo resenha com “vidas passadas”

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estou vendo past lives/vidas passadas
mto bom o filme mas acho meio triste q escolheram um cara feio p ser o marido branco de greta lee
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pq greta lee eh lindíssima
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e embora eu sinta empatia pelo cara eu fico so. sim ele parece um marido legal mas o outro macho eh tao lindo..........
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e eu nao devia estar pensando sobre como o outro macho eh tao lindo pq nao eh esse tipo de filme

divisória fofinha

eu assisti o filme “vidas passadas” da sra. celine song no dia 01 de novembro de 2023 e fiquei extremamente impactada. eu tinha ouvido falar sobre o filme lá pelo começo de 2023 porque minha querida amiga do ensino médio alice tinha comentado que queria assistir, aí a gente descobriu que ele só seria lançado oficialmente no brasil em fevereiro. uns meses depois, minha querida amiga da faculdade júlia cardouzo comentou que tinha assistido e tinha adorado e eu decidi assistir o filme por meios alternativos porque estava deprimida e sem vontade de fazer nada. aí eu fiquei extremamente impactada por tudo: pelas atuações (a primeira vez que vi greta lee interpretando uma pessoa normal e meu pai amado como ela entregou), pela fotografia (tudo tão lindo e intimista parece que você está lá vendo as cenas), pelas músicas e, principalmente, pela história.

ok, vamos começar por partes. a história. a premissa é bem simples: nora moon, nascida moon na-young12 e interpretada no filme pela grande greta lee, é uma dramaturga sul-coreana que vive em nova york com o marido estadunidense. aí hae-sung, o menino que ela gostava quando era criança na coreia e interpretado pelo belíssimo teo yoo, vai visitar os estados unidos e eles se encontram e muitos sentimentos e pensamentos sobre as conexões que criamos ao longo da vida afloram nesse reencontro. minha introdução está um pouco paia, mas vocês vão entender porque eu surtei amei tanto

divisória fofinha

os atropelos da vida

às vezes, quando eu ando por essa estrada sozinha
de alguma forma, eu sinto como se você estivesse lá
orange road, bronze, yukika

a primeira separação de na-young e hae-sung acontece quando eles ainda são crianças, pois os pais dela vão sair da coreia para buscar melhores condições para as filhas. inclusive, é por sugestão da mãe de na-young que os dois pombinhos tem um date3 antes da viagem. mas a distância acaba vencendo e eles perdem o contato. a vida tem dessas de te dar oportunidades belíssimas que vão acabar tão rápido quanto surgiram porque ela é muito delicada e o tempo é nosso inimigo e a gente só vive uma vez...

quando eu terminei de assistir, eu fiquei pensando nesses atropelos da vida e como eles mudam o que nossa vida poderia ser. eu me lembrei de um amigo muito querido da minha infância, marquinhos. ele era um bucadinho mais baixo que eu, pele cor de amêndoa e cabelo bem curto. a gente era muito criança, acho que tínhamos quatro anos, então eu não me lembro muito bem dele, mas minha mãe conta que eu sempre falava dele em casa e a mãe dele disse que ele sempre falava de mim. acho engraçado que marquinhos foi um dos primeiros amigos que eu fiz na vida, embora eu tenha tido poucos amigos meninos na infância.

a gente até foi par um do outro na festa junina e eu me lembro que me diverti muito. tem um momento que eu não me lembro bem como começou. eu inventei de dançar me abaixando, não sei bem ao certo o motivo — por ter percebido as outras meninas eram mais baixas que os meninos — e aí ele começou a se abaixar junto e a gente riu horrores. foi bom demais.

às vezes, eu me pergunto como seria minha vida se nós ainda fôssemos amigos. se eu também teria perdido o contato com ele como eu perdi o contato com tantas outras amizades da minha infância, que tipo de pessoa ele teria se tornado e que tipo de pessoa eu seria com a influência dele. meu amigo marquinhos partiu muito cedo. a lembrança mais vívida que eu tenho dele é quando nossa professora avisou que ele faria uma cirurgia do coração e a turma formou vários círculos para rezar por ele, um Pai nosso e um ave Maria. não tinha caído a ficha pra mim que ele poderia morrer. acho que eu ainda tinha meu amigo vivo na minha cabeça e esperava que ele voltaria logo. e aí eu segui em frente

as outras 999 vidas

algumas travessias custam sua vida inteira
vidas passadas, celine song

o filme fala bastante sobre o conceito de in-yun, algo como a conexão entre duas pessoas e os lugares e momentos nas quais elas se encontram pelo destino. é um conceito budista, relacionado ao conceito de destino e de reencarnação: eles até falam de mil vidas no in-yun ou algo assim, e que um casal casado kkk é unido por oito mil camadas de in-yun. no entanto, o destino é apenas parte do in-yun: pois as escolhas que tomamos e os lugares que ocupamos também nos levam a este destino4.

eu disse, no começo, que a vida é uma coisinha delicada que pode mudar por causa dos fatores mais inimagináveis, e nós vivemos apenas uma vez, e esse conceito de in-yun me faz pensar nos lugares e momentos que vivo como marcas no tecido do espaço-tempo. racionalmente, eu sei que estou sempre existindo em algum ponto do espaço-tempo — aprendi alguma coisa nas aulas de física kkkk. no entanto, tudo isso parece baboseira teórica até chegar na sua vida.

eu nunca serei totalmente livre porque só posso existir num ponto do espaço-tempo de cada vez. posso construir uma nave espacial tão rápida que o espaço se curva e o tempo relaxa, mas só posso viver neste aqui e agora. de todas os lugares que existem, de todos os momentos que aconteceram e acontecerão, eu só posso experimentar um deles de cada vez. tem coisas que eu não posso viver nesta vida porque eu sou uma pessoa só num lugar só num momento só. eu só vivo uma vez de cada vez, mesmo que eu viva de novo e de novo.

e cada vida é uma escolha. logo, quando vivo uma vida, imagino eu que estou matando outras 999 vidas que poderiam existir. não estou dizendo que todo mundo sai por aí cortando deliberadamente as vastas possibilidades de sua existência. às vezes, temos tanto em nossas mãos que não percebemos nossa negligência até ser tarde demais, ou tentamos terminar com tudo da forma mais delicada possível. porém, há vidas que nós apunhalamos pela barriga e deixamos sangrar, depois enterramos junto com as outras 998 que não vingaram.

a primeira separação de na-young e hae-sung é um acidente do destino, mas a segunda separação é um golpe premeditado. ela poderia pegar um avião para se reencontrar com ele (e ela pensa bastante sobre isso), mas não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. nora moon não pode construir uma carreira como dramaturga em nova york e viver um romance na coreia ao mesmo tempo. ela precisa fazer uma escolha, pois ser atravessada por duas vidas diferentes vai matá-la. ela atira primeiro. não é um ato covarde, é autodefesa. pelo menos, foi o que eu disse para mim mesma quando fiz essa escolha uns anos atrás e eu não tive a decência de avisar antes.

acho que ninguém consegue processar essa perda até que a vida que você matou à sangue frio apareça na sua frente dez ou doze anos depois, sorrindo do mesmo jeito que você tinha esquecido que lembrava; e você se lembra de quão bela aquela vida foi, mesmo que não tenha se esquecido de como ela te feriu. o que eu acho mais bonito no reencontro de nora e hae-sung é como eles celebram essa vida que já se foi e todas as vidas que não podem existir agora. eles reconhecem as cicatrizes que ficaram nos dois, mas continuam gratos por estarem conectados num espaço-tempo que não existe mais.

tudo isso me trouxe uma frase que minha querida amiga júlia cardouzo ouviu uma vez e me contou numa parada de ônibus. “e a saudade passou jogando flores no velório do amor que assassinamos”5. é uma imagem muito triste, mas também pode ser uma imagem bonita. talvez a saudade não queira nos punir pelo desfecho da nossa trama, embora o amor tenha se perdido pelo caminho. quando eu jogo flores no velório da vida que assassinei, é porque eu ainda não me perdoei por tudo que fiz, e é porque eu não consigo mais me lembrar das partes boas.

um dia, talvez eu veja essas flores criando raízes, desabrochando nas cores das nossas memórias mais bonitas. e eu vou pensar na música que você me mandou e talvez chorar um pouquinho

quando você abandona alguma coisa, você ganha outra
vidas passadas, celine song

ok. agora a gente pode falar como o marido de nora é meio básico meio sem graça até esqueci o nome dele e a carreira dela parece meio chata?

ok, eu já passei tanto tempo escrevendo e pensando sobre esse filme e esse texto e que é urgente terminar isso logo porque estou perdendo neurônios a cada dia que não publico. vamos terminar com estilo. especificamente, vou me meter na vida de nora moon, uma dramaturga que não existe, e celine song, a própria roteirista e diretora de “vidas passadas”.

um dia desses, minha querida amiga maria assistiu vidas passadas e achou o filme, em suas próprias palavras

decepcionante
[...] simplesmente não entendo o propósito de sacrificar algo pra correr atrás de uma carreira e aí esquecer a carreira, como pode nandinha como pode

aí eu fiquei pensando sobre isso e decidi que era melhor debater essa questão com as amigas quando a gente fosse assistir o filme no cinema. aí, vendo o filme de novo, percebi como a forma em que o filme retrata a vida de nora parece enquadrá-la no lugar cinemático da esposa resignada e meio insatisfeita com a própria vida: nós a vemos no ensaio de uma peça e o momento não parece particularmente importante ou divertido, ela vai levar café para o evento do livro do marido. ele é claramente muito apaixonado pela esposa, mas ela não parece compartilhar o mesmo sentimento — pelo menos, não na mesma intensidade.

aí, minha amiga júlia (novamente) me falou algo que abriu meus olhos quando a gente foi conversar sobre o filme depois da sessão: nora sempre afirma que está feliz e satisfeita com a vida dela no momento atual. por que eu não deveria acreditar nela? por que eu preciso avaliar a vida dessa pessoa com base nas imagens de outros filmes? uma vida não precisa ser grandiosa ou igual aos nossos sonhos para ser feliz. algumas coisas não acontecem da forma que a gente queria e isso é uma parte da existência.

mas não foi essa a resposta que eu dei para maria quando ela me explicou por que estava revoltada com “vidas passadas” porque eu não sou genial a esse ponto. eu falei que tinha perdoado esse “problema” do filme porque eu li o release do filme e ouvi uma entrevista com a própria celine song, então já sabia que o filme era inspirado na vida dela e a trajetória profissional de nora e celine são bem parecidas.

celine song conta que sua própria carreira como dramaturga em nova york não deu muito certo, pois a nova york bastante receptiva ao tipo de teatro que ela queria criar não existia mais 6 e ela não podia recriá-la sozinha. como minha amiga maria sugeriu, essa história real poderia ter sido abordada em “vidas passadas” e daria mais profundidade para os temas do filme — uma vida que nora moon queria ter vivido e não conseguiu. porém, eu não julgo celine song por não querer escrever um longa-metragem com a exata história da sua vida.

com a mágica da ficção, nora moon pode ser a dramaturga que sua criadora não pôde ser. celine song não viveu o sonho que tinha ao começar sua carreira, mas ela encontrou um marido que a ama e apoia de todo o coração, além de ter criado um filme que tocou o coração de tanta gente — e ganhado duas indicações ao oscar com o primeiro filme que fez na vida!!!!! também gosto de imaginar o amigo de infância de celine na coreia do sul muito feliz pela ambição dela dando frutos tão lindos.

como fanfiqueira e metalinguística metida, meu final de “vidas passadas” é nora moon estreando uma versão cinematográfica de sua história com alguma das músicas da minha playlist e a saudade etc. etc. etc. 7 tocando ao fundo nos créditos provavelmente star de mitski porém, contudo, todavia... acho meu final meio clichê e pretensioso, e eu gosto muito do final meio melancólico e agridoce do filme. sinto como se celine song estivesse pessoalmente me dizendo que está tudo bem em sentir tantas emoções de uma vez. como se ela estivesse me abraçando e cantando SOPHIE no meu ouvido just know whatever hurts, it's all mine, it's okay to cry

divisória fofinha

este é o espaço que eu digo “muito obrigada por ler, um beijo pra você!”. muito obrigada por ler, um beijo pra você! 8 se quer me dar mais do que uns minutos do seu tempo, você pode enviar meu bloguinho para outra pessoa que não tenha o que fazer >ω<

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notas da desocupada

  1. dupla curiosidade: os sobrenomes antecedem os nomes próprios na grafia dos nomes coreanos, então o sobrenome nesse caso é moon. e pessoas coreanas costumam escolher um nome estrangeiro quando se mudam pra outros países, uma prática comum em outros países da ásia. exemplos notáveis entre incluem o ator e artista marcial sino-americano bruce lee, nascido lee jun-fan, e o patinador sul-coreano naturalizado russo viktor an, nascido ahn hyun-soo. inclusive pessoas do ocidente também podem adotar ou receber nomes asiáticos, como os missionários cristãos que adotaram nomes coreanos quando passaram a viver na região.

  2. essa é a nota mais inútil de todas, extremamente longa e interessante apenas se você sabe um pouco sobre a coreia, gosta das minúcias de transliteração de idiomas ou assistiu “a cantiga de pássaros e serpentes” no cinema comigo. quando escrevemos um nome com as letras do nosso alfabeto romano, é uma prática comum separar as sílabas para facilitar sua pronúncia, seja por um espaço ou com um hífen, embora seja possível deixar tudo junto. em vidas passadas, os nomes são separados por um espaço (hae sung e na young, por exemplo), mas eu decidi utilizar um hífen para deixar claro que é uma palavra só, porém ainda reconhecível para quem viu o filme e não sabe nada sobre nomes coreanos. é muito importante mostrar que é uma palavra só para mim porque meus amigos ficaram muito irritados com snow chamando lucy gray de lucy gray o tempo todo em “a cantiga de pássaros e serpentes” quando você pode evitar a fadiga e pronunciar menos sílabas. amigos que estão lendo esse texto e assistiram/vão assistir vidas passadas, saibam que eles não estão se chamando por dois nomes até porque nem existe dois nomes no coreano

  3. quem me conhece sabe que eu odeio o termo date, mas a mãe de na-young usou exatamente este termo no original em coreano e infelizmente eu achei muito fofo.

  4. recomendo ler o texto original (infelizmente, em inglês) porque o autor estabelece uma relação muito interessante entre os filmes “vidas passadas” e “tudo em todo lugar ao mesmo tempo” e a ideia dessas várias vidas possíveis com a própria vivência da diáspora asiática — essas vidas deslocadas na imigração para outro país.

  5. ela não sabe de quem é a frase, mas, de acordo com minha busca curtinha no google, é um mote de maciel correia. reservo-me o direito de corrigir esta informação depois, caso tenha errado.

  6. nas palavras de celine: “eu acho que o teatro pelo qual me apaixonei era o teatro dos anos 80 em nova york, que foi uma época bem experimental e muito do teatro era especificamente sobre o que poderia ser feito no teatro. era o que eu chamaria de um grande, ambicioso momento do teatro que é bastante diferente do que vemos nas telas. então, quando eu cheguei em nova york, eu percebi que por causa do [mercado de] imóveis, por causa da forma que nova york tinha mudado, aquele teatro era muito difícil de ser encontrado e o espaço em que ele podia ser encontrado estava encolhendo diariamente. até mesmo hoje, eu me preocupo porque acredito que não há espaço suficiente para o teatro experimental. então o que acontece é que isso começa a extinguir os dramaturgos, os diretores e atores que possuem condições de fazer teatro experimental. [...] por um tempo, quando você é mais nova, você pensa que você pode salvar o teatro. e eu acho que é necessário haver um momento, assim como qualquer relacionamento, que você diz ‘na verdade, eu não posso salvar essa pessoa. essa pessoa precisa se salvar, eu não posso fazer isso por ela’. vocês têm que terminar [...]”. tradução minha do original em inglês.

  7. eu realmente montei uma playlist da saudade passou jogando flores etc. etc. porque estava sentindo falta de uma musiquinha especial para me embalar enquanto escrevia este texto e finalmente cheguei numa ordem das músicas relativamente satisfatória para mim. mas pode ouvir no aleatório, eu deixo :D

  8. esse é o obrigado especial para quem leu até o fim. um obrigado, pessoa que leu até o fim. queria mandar um beijo mais especial ainda para minha amiga catarina que não pôde ir ao cinema conosco no dia e estou esperando ansiosamente pelo dia que vamos rolezar de novo